terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

COMO SE TIVESSE FECHADO OS MEUS PRÓPRIOS OLHOS . . .

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Tocou-me primeiro nos dedos, depois no braço, de seguida no peito, tirou-me a roupa toda, pôs-se em cima de mim, entrou no meu corpo suavemente, foi-se mexendo, mexendo-me por dentro, senti o rasgar da minha carne e um líquido espesso e quente escorrer-me por entre as pernas quando ouvi iniciar um grito de prazer no momento em que se derretia todo no meu corpo, passei as minhas mãos pelas costas dele tacteando em busca do intervalo entre as duas primeiras costelas, com uma mão retirei devagarinho dos meus cabelos o longo alfinete de ouro que a minha avó me oferecera no dia do meu casamento, espetei-lhe suavemente nas costas com receio de o magoar, ouvi-lhe soltar um outro grito ainda maior, provavelmente de dor, depois abraçou-me com toda a força que tinha, senti na minha mão o mesmo líquido quente que saíra do meu corpo e inundara o lençol, deixei de sentir o seu aperto e o coração batia ainda mas levemente. Tive uma vontade enorme de o ver ainda em vida. Com um gesto brusco retirei o pano preto dos meus olhos. Não consegui ver nada. Foram muitos anos de sombra. Pouco a pouco comecei a ver luzes do candelabro, levantei bem as velas, finalmente consegui ver os contornos do rosto dele, cada vez mais nítidos, ainda tinha os olhos completamente abertos como se estivesse à minha espera para os fechar. Padre Santa tinha dito que eu já tinha visto tudo. Não era verdade. Faltava-me ver os olhos dele. Depois disso não vi mais nada. Como se tivesse fechado os meus próprios olhos.

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Luís Cardoso
in: Olhos de coruja olhos de gato bravo

1 comentário:

Carolina Louback disse...

Impressionante... sem palavras.