quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

VEJO-TE NO INFERNO !





Sono. Muito sono. Tanto que mal consigo mover os meus braços e minhas mãos. Digito freneticamente e sem saber ao certo o que estou a escrever. Os meus olhos fecham-se lentamente, não há como lutar contra o peso descomunal das minhas pálpebras. Elas parecem pesar toneladas, medir metros e metros de pele que encobrem sem dó os meus olhos atabalhoados. O sono deixa-me vendido, despido, fraco. As pernas tremem com os espasmos de relaxamento dos músculos. Estou quase a entregar-me.

Na minha frente ainda está o copo, aproximadamente dois dedos de Coca-Cola com martini ocupam o seu fundo. No bocal, um tom estranho de vermelho mancha o vidro, aquele vermelho que antes habitava uma boca e um sonho, uma fantasia e um corpo, uma mulher e eu. Nunca, nem no meu mais desvairado pós-morte, vou esquecer aquele tom de vermelho, ao mesmo tempo agressivo e passivo, quente e frio, vivo e morto. Na minha cabeça aquela marca de batom emoldurava o meu leito de morte, e eu olhava o reflexo da minha patética figura no copo a ficar cada vez mais pálido.

Continuei a digitar, cada vez mais e mais e mais, apressado com a força que me faltava. "Uma pena que provavelmente não terei tempo de a revisar", pensei entre uma frase e outra, acometido pelo vício do perfeccionismo enquanto lia sem ver as palavras aleijadas por dedos imprecisos. Típico pensamento de quem passou a vida a tentar fazer tudo certo, para chegar agora ao ponto de morrer pela mulher errada.

Entre uma frase e outra que escrevia ela entrou novamente na sala, e eu nem a vi. Agora, passando as mãos pelo meu cabelo, ela balbucia alguma coisa que não consigo precisar, mas vejo que é entremeada de risadinhas sacanas. Não percebi que ela estava a ler o que eu escrevia, e apanhara a minha carta de despedida. Ela comenta, entre uma e outra risada, que se espantou quando eu percebi pelo gosto da bebida que alguma coisa não estava certa. E ri, a desgraçada, e ri de mim e de tudo o que eu já senti por ela.

Quando ela tenta recuperar o ar de mais uma gargalhada gozosa, sinto seus dedos enfraquecerem devagar no entrelaçar dos meus cabelos. Uma tosse, um engasgo, e vejo que ela agora lê mais uma frase, esta que acabei de escrever com palavras retalhadas de erros de digitação contando que eu havia descoberto seu plano para me envenenar e que eu a tinha envenenado também. Mesmo sabendo do seu intuito, não deixei de beber a minha bebida baptizada, pelo simples facto de não querer lidar com a realidade de saber que a mulher que eu mais amava me tentou matar.

As suas mãos caem sobre os meus ombros, o meu coração acelera os batimentos e os meus dedos já não me obedecem. Antes que meus olhos se fechem por completo ainda consigo ver sua sombra, projectada na parede à minha frente, a desabar silenciosamente ao chão. Ouço apenas o ruído de um peso a cair sobre a carpete, seco, morto. Já não tenho mais o que fazer aqui. Desisto de resistir, cedo ao peso das pálpebras e deixo-me levar. Até logo, meu amor. Vejo-te no inferno.

tema-bruno

7 comentários:

Ana Camarra disse...

EH Lá

Ficção, pura ficção, não há gaja que corra o risco dessa chatice, não vale a pena!
Mas pronto está engraçado, um pouco negro, boas fotos.

(De qualquer das formas estou convencida que o Inferno é um sitio muito mais divertido que o outro, se existir, claro!)

Beijos

Lize disse...

Lize says:

texto lindooooooo

Lize says:

mas k nem consigo explicar sobre o k é...


E isto foi o que eu disse à pessoa com quem estava a "teclar" depois de acabar de ler o texto, e antes de estar a escrever isto :P E acho que não tenho muito mais a dizer, sem ser que adorei :P

Beijocas

Missanguita disse...

I will see you in hell! ;)

najla disse...

O texto é realmente magnifico. Faz-nos entranhar no momento, parece que ocorre à nossa frente!
Parabéns pela escolha!
Beijos

Anuska disse...

Adorei....
Bjinhos

pinxexa disse...

Que bem escreves, caramba...
Parabéns!
beijo

Paulo Lontro disse...

pinxexa,
Eu Paulo Lontro, não escrevo, este texto é de um tal Bruno, que eu não sei quem é...
Gosto mesmo é de juntar palavras a imagens.
Se reparares, estas acompanham o conto, tens aqui uma foto de uma mulher aparentemente fatal, outra com uma "viúva" com lágrimas de crocodilo... e ainda outra no anjinhos, talvez vermelhos e com corninhos...