sábado, 22 de agosto de 2009

THE STATUE, THE VOYEUR AND THE BELIEVER . . .




É 3ª feira, sentado numa praça do centro de Milão. Tenho os joelhos ligeiramente alçados, estando as pernas apoiadas na barra sob a mesa. Apoio o computador nas pernas, é cómodo para mim escrever assim.

Hoje não consegui ir trabalhar, tenho a sorte de poder fazer isto…, sinto-me nervoso e sei que não me iria render nada ir ao escritório. Estou num bar, ao ar livre, a ver os outros caminhar.
É incrível a quantidade de bebés que se vêem nesta altura do ano, dá a ideia que chegam os primeiros raios de sol e as mães logo trazem os bimbos a conhecer a cidade.

Bebo um Cognac, apesar da hora da manhã. Gosto muito de Cognac. Em frente a mim está um daqueles homens estátua. Não sei o que pensam as pessoas que os olham, se calhar o mesmo que eu…., não sei porque há pessoas que fazem de estátua. Apetece-me perguntar-lhe; em que pensas? Porque fazes isto? pergunto-me: Será arte? Deve ser muito difícil estar assim fixo. Não sei se haverá algo de mental por trás disto, ouvi alguém dizer que a concentração tipo yoga ajuda a baixar a respiração e todo o biorritmo baixa também.
Tenho 2 livros na mão e dois CD acabados de comprar, Jazz, pois claro. Saio de casa muitas vezes com 2 ou 3 livros, às vezes chego a um sítio e apetece-me ler mais um tema que outro, é sempre melhor trazer mais do que um livro, ou até o jornal.

O homem estátua continua estátua, olha agora fixamente para mim, está ali, mesmo a 4 ou 5 metros. Estive estes últimos minutos, seguro e firme, a olhar para ele, directamente nos olhos, é dificílimo ficar a olhar uma pessoa mesmo nos olhos. Penso eu; será que ele vê quem o olha? Será que está a ver-me, ou só a olhar na minha direcção? Em quem pensará? Se calhar pensa em si, na sua vida, se calhar pensa no que eu estarei a pensar, será que ele sabe que eu estou a olhar e a vê-lo? Será que sabe que eu neste momento penso nele? Imaginemos que aquele homem tem a capacidade de ler os pensamentos de quem o olha fixamente, que ideia arrepiante….

Ao meu lado estão 2 velhotas a beber Capuccino e a comer doces, estão a falar muito alto, não é que seja muito alto mas a verdade é que está ainda um certo silêncio matinal na rua, especialmente nestas ruas, onde não passam carros. Aqui no bar passa musica muito bonita, neste momento passa um dos discos que mais gosto, é um velho disco que eu tenho, e é de um musico, pianista dos anos 50, Bill Evans, este álbum chama-se – You Must Believe In Spring, passam muitas vezes este disco aqui.

Mesmo aqui na mesa à minha frente está um casal de namorados, muito, muito, novos, estou certo que faltaram à escola. Estão felizes aqueles dois, beijinho aqui, beijinho ali, sinto que é um daqueles amores que começou “ontem”, é tudo lento, ele pediu agora uma cerveja. Eu continuo com o meu cognac, que se lixe o que ele está a beber. Estou tão perto deles que até me sinto no meio…, de qualquer maneira estou a gostar do que estou a ouvir, estão felizes, bem mais felizes do que eu, neste momento. As velhotas estão com casacos de pele, detesto casacos de pele, mesmo nas velhotas ou especialmente nas velhotas!

Está a ficar calor, e apesar disso, ainda se vêem tantas pessoas com as roupas de inverno. Acho que a “muda” da roupa não acontece com a mudança do tempo ou da temperatura, as pessoas um dia, vão ao armário e mudam tudo de uma vez. Talvez seja por isso que se vêem pessoas já “à” Verão e outras, ainda “à” Inverno… ou talvez não.
Não estou com vontade de ler, um dos livros chama-se "After the Banquet" è do Yukio Mishima e ainda não o comecei a ler, o outro é um livro para o trabalho, foi escrito por um americano, Allen Burley e chama-se Managing Assertively.
A verdade é que não me apetece ler nenhum deles neste momento, estou cabisbaixo, direi triste, não me apetece fazer mesmo nada a não ser escrever o que vejo à minha frente, nesta praça central de Milão.

Está ainda aquele cheiro de praça molhada, daquelas que são lavadas de manhã cedo e tem o cheiro característico de chão com pedra molhada. Gosto deste cheiro, ainda cheira a limpo.

Estou aqui há quase duas horas, o meu Cognac já lá vai, e o mesmo aos dois cafés que já bebi. Estou a ficar com um certo arrepio nas costas, o ar corre, parece mas ainda não é Verão, estou com pele de galinha, talvez seja sinal que já cá estou há muito tempo e devo ir embora, ou apenas peso na consciência, por ainda não ter trabalhado hoje. O meu computador já me informou, duas vezes, que a bateria já deu o que tinha a dar, duas horas é já bem bom.
Vou pedir a conta, os namorados continuam na mesma onda, as velhotas já se foram!
(Paulo Lontro, Milão, Março 2000)

14 comentários:

leitanita disse...

Hum, agora percebi ainda melhor o comentário que me fizeste no outro dia!!! Como é giro estar de voyeur noutra cidade que se vai tornando a nossa cidade! Também amo Milão.
Beijo de quem está aí contigo!

Ianita disse...

Um momento... um ponto de viragem.

Beijos

cantinhodacasa disse...

O título é convidativo.
Mais logo virei cá lê-lo.
Beijinho

Venúsia disse...

gostei da escrita, sim senhor =)
fez-me lembrar um autor português, dos nossos clássicos. só não consigo especificar qual...

e amei a 3ª imagem!

beijinhos

cantinhodacasa disse...

Gostei de todo este texto.
Tens um jeito interessante de escrever o que já viveste.
Daria um bonito livro. Por que não?

Cito esta excerto: «...Imaginemos que aquele homem tem a capacidade de ler os pensamentos de quem o olha fixamente, que ideia arrepiante…. »


Vai escrevendo mais estes teus pedaços de vida.
Beijinho

Paulo Lontro disse...

leitani,
Eu sei que estás comigo...!

De facto, consciente ou inconscientemente, uma das coisas que fazia primeiro quando mudava de cidade era sentar-me numas escadas de praça ou numa esplanada e ver as pessoas.

Conhecer um país ou uma cidade ou/e uma cultura, é também, ou especialmente, conhecer as pessoas.

Paulo Lontro disse...

ianita,

mais um momento do que um ponto de viragem.

Paulo Lontro disse...

Vesúvia

São 3 imagens curiosas, a 1ª, tirei-a há mais de 20 anos numa aldeia no centro do país e as outras duas são de uma ironia negra, os big brother afinal podem ser os nossos olhos e isso, não é por força negativo, por outro lado, que bom era haver suplementos como os da foto…

Quanto ao texto… acho que nem na escola tinha escrito algo tão grande, andei pela engenharia e por isso, “eu é mais bolos (números)”!

Paulo Lontro disse...

cantinho,

lembro-me de muitas imagens como esta, tantas foram as vezes que estive a ver pessoas por esse mundo fora...

Almofariza disse...

Foram quase duas horas de nada fazer que te deixaram de consciência pesada, mas que ao mesmo tempo foram quase duas horas em que te deste ao prazer de ver...de pensar...de escrever...de absorver...de cheirar...de degustar... e sobretudo de imaginar...

Beijinho repisado
Almofariza

Paulo Lontro disse...

Almofariza

foram duas boas horas, sem dúvida.

este post:
http://lontrices.blogspot.com/2009/08/we-will-survive.html

é sobre a musica que mais gostas.

Almofariza disse...

Obrigada Lontro ;)

É mais uma versão a juntar à minha coleção. E é realmente a " minha" música que me acompanha, que OBRIGATÓRIAMENTE danço em todas as passagens de ano... que me leva ao extase quando a danço com mais 2000 pessoas no Coliseu Micalense, cantada pela Banda.com nos meus bailes de Gala do Carnaval... e que invariavelmente quando penso que não vou chegar ao fim do meu treino de fitness, é com ela que chego à "meta".

Thank´s
Beijinho repisado
Almofariza

Gata2000 disse...

Por vezes quando vou na rua e olho alguém nos olhos e penso no que pensa essa pessoa, dou por mim a arrepiar-me: imagina que quem te olha sabe o que estás a pensar, e tento fugir do olhar que me prendeu e não pensar na pessoa que passou.
Fugir dos nossos pensamentos é das coisas mais dificeis de fazer.

Paulo Lontro disse...

Gata,

Pois também é interessante ver se é a outra pessoa que desvia o olhar, ou não?